sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Agora, seja bem-vindo!


Entreguei uma carta de despejo para o inquilo do meu coração. Depois de alguns anos residindo confortavelmente e seguramente neste endereço fixo, decidi expulsá-lo de vez de dentro de mim. Foi um processo lento, mas consegui. No momento da despedida o cara de pau ainda teve a capacidade de perguntar-me se poderia, por um tempo, se instalar na minha mente. Isso para o caso de eu não ter tanta certeza quanto a minha decisão.

Gritei com ele por insistir.
Gritei comigo porque quase cedi.
E lembrei que o melhor nem sempre tem final feliz. Nós não tivemos.

Com o coração vazio resolvi limpar os cômodos. E não por acaso comecei pelas fibras musculares estriadas, afinal de conta são elas que se contraem sob a ação da vontade. Da vontade de voltar atrás. Depois segui para o miocárdio. No seu interior encontrei quatro coisas esquecidas pelo antigo morador. Ele havia deixado seu cheiro, seu gosto, o som do seu riso e estranhamente o que havia roubado de mim. Estava tudo lá. Esperando-me. Não foi fácil arregaçar as mangas e encaixotar tudo. Só separei o que de fato me pertencia. Por precaução lacrei as caixas e coloquei-as na calçada para não correr o risco de querer ficar com alguma quinquilharia, hoje, sem valor.

Quando voltei, já cansada, resolvi ver o estado do miocárdio. Já tinha esquecido como aquele espaço era grande, mas para minha surpresa ele estava revestido por um carpete. O que não me lembro de ter autorizado. Resolvi arrancá-lo, limpar por baixo. Acabei encontrando dores escondidas. Não resisti. Sentei e chorei. Eu já estava tão exausta, suada, desesperada. Parecia que aquilo nunca iria ter fim.

Fui até o jardim, estava pesado demais seguir naquilo tudo sozinha. Liguei para algumas amigas, e todas - como se tivessem combinado – aconselharam-me a prosseguir sozinha. Afinal, só eu mesma para colocar ordem naquele caos.

Regressei, varri, espanei, mas lá achei melhor esfregar o chão. Havia muita coisa grudada e remover algumas delas foi tarefa árdua. Lavei com água e um pouco de sabão em pó. Só então pude despejar desinfetante e esfregar para limpar o quer faltava. Ufa!!! Embora cansada já conseguia ver as coisas com outros olhos. O cheiro já estava diferente. Era bom acompanhar tudo que estava impregnado descer pelo ralo.

Segui finalmente para as quatros válvulas cardíacas. Onde inicialmente pensei que nunca chegaria. Molhei toda área e achei melhor usar detergente líquido no chão. Deixei 20 minutos de molho e em seguida joguei um pouco de alfazema. Dizem que limpa e purifica energeticamente o lugar.

Só depois de tudo limpo visitei todos os cômodos, um a um. Respirei fundo e me lembrei de como precisava daquele espaço limpo, fluindo energia, arejado para me sentir verdadeiramente bem e feliz. Quando estava na porta, pronta para sair, voltei ao miocárdio e peguei o que sempre me pertenceu: o brilho dos meus olhos. Mal cheguei a rua e ele já havia se espalhado e se reinstalado em mim. Inteira.

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