quarta-feira, 2 de março de 2011

Entre clarins e trombones


Enquanto dançava em uma prévia carnavalesca, ela não esperava pelo toque no ombro que uma amiga lhe deu para chamar sua atenção. Ao som da música de Tim Maia, ela mal se virou e já foi surpreendida:

- Cadê aquela tua antiga paixão? – a amiga perguntou secamente.

Como resposta continuou cantando a plenos pulmões:

- E eu gostava tanto de você
(quando era babaca)
gostava tanto de você – respondeu desconstruindo parte da música na esperança que a amiga entendesse as entrelinhas. O que foi em vão!

- Não vale chorar, heinI Não vale chorar – gritava cheia de ironia e desdém.

Naquele instante ela não soube distinguir se o que sentiu era alegria pela pergunta não mais incomodar ou por ela mesma acreditar ter superado o que precisava lembrar ter esquecido. E sem querer buscar respostas naquele contágio carnavalesco permaneceu com os braços erguidos, corpo suado, batimento descompassado causado pelo ritmo da pelada musical.

Mas, em segredo, durante o arrastão de frevo, continuou tentando enxergar através de luzes e penduricalhos qualquer coisa que indicasse ser ele. Enquanto isso na sua cabeça rolava outra canção: paixão antiga sempre mexe com a gente. É tão difícil esquecer. Basta um encontro por acaso e pronto, começa tudo outra vez. Cantava Tim Maia.

Disso ela sabia. Disso ela tinha certeza.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011


Não acredito em passagens datadas. Muito menos em mudanças de comportamento por conta do final do ano. Não acredito que os sete pulinhos nas ondas do mar, as três uvas perto da meia-noite e os caroços de romã irão me trazer boa sorte. Não acredito que pular de um degrau me fará subir na vida. Não acredito que comer carne de porco irá me ajudar a seguir em frente ou simplesmente que comer peru irá atrasar qualquer oportunidade. Não acredito em superstições!

No entanto acredito que estar perto da família na virada me fará mais feliz. Acredito que a benção da minha avó trará mais luz ao meu caminho. Acredito que conversar calmamente com as pessoas que amo enquanto janto será algo bom de ser lembrado durante o novo ano. Acredito que verdadeiros amigos são melhores que o prêmio da Mega Sena. Acredito que andar na praia ajuda a esquecer os problemas. Acredito que abraço de pai e mãe elimina dores intensas.

Acredito que e-mails, torpedos e ligações diminuem distâncias. Acredito que o silêncio também é uma forma de se declarar um grande amor. Acredito que beijos inesperados são melhores que o cumprimento de expectativas. Acredito que a companhia do meu cachorro cura alguns vazios provocados por outra espécie de animal. Acredito que crescer é doloroso, mas que amadurecer é bom.

Acredito que assistir filme é uma excelente terapia. Acredito que ficar em casa lendo um bom livro é um dos melhores programas em uma sexta à noite. Acredito que mudanças são inevitáveis, e que dar um passo a frente é a melhor opção. Acredito que chances não são ilimitadas. Acredito no trivial, na beleza dos dias comuns. E acredito principalmente que cada batida do relógio é réveillon.

Aos que amo, um feliz início. Seja no que for.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Agora, seja bem-vindo!


Entreguei uma carta de despejo para o inquilo do meu coração. Depois de alguns anos residindo confortavelmente e seguramente neste endereço fixo, decidi expulsá-lo de vez de dentro de mim. Foi um processo lento, mas consegui. No momento da despedida o cara de pau ainda teve a capacidade de perguntar-me se poderia, por um tempo, se instalar na minha mente. Isso para o caso de eu não ter tanta certeza quanto a minha decisão.

Gritei com ele por insistir.
Gritei comigo porque quase cedi.
E lembrei que o melhor nem sempre tem final feliz. Nós não tivemos.

Com o coração vazio resolvi limpar os cômodos. E não por acaso comecei pelas fibras musculares estriadas, afinal de conta são elas que se contraem sob a ação da vontade. Da vontade de voltar atrás. Depois segui para o miocárdio. No seu interior encontrei quatro coisas esquecidas pelo antigo morador. Ele havia deixado seu cheiro, seu gosto, o som do seu riso e estranhamente o que havia roubado de mim. Estava tudo lá. Esperando-me. Não foi fácil arregaçar as mangas e encaixotar tudo. Só separei o que de fato me pertencia. Por precaução lacrei as caixas e coloquei-as na calçada para não correr o risco de querer ficar com alguma quinquilharia, hoje, sem valor.

Quando voltei, já cansada, resolvi ver o estado do miocárdio. Já tinha esquecido como aquele espaço era grande, mas para minha surpresa ele estava revestido por um carpete. O que não me lembro de ter autorizado. Resolvi arrancá-lo, limpar por baixo. Acabei encontrando dores escondidas. Não resisti. Sentei e chorei. Eu já estava tão exausta, suada, desesperada. Parecia que aquilo nunca iria ter fim.

Fui até o jardim, estava pesado demais seguir naquilo tudo sozinha. Liguei para algumas amigas, e todas - como se tivessem combinado – aconselharam-me a prosseguir sozinha. Afinal, só eu mesma para colocar ordem naquele caos.

Regressei, varri, espanei, mas lá achei melhor esfregar o chão. Havia muita coisa grudada e remover algumas delas foi tarefa árdua. Lavei com água e um pouco de sabão em pó. Só então pude despejar desinfetante e esfregar para limpar o quer faltava. Ufa!!! Embora cansada já conseguia ver as coisas com outros olhos. O cheiro já estava diferente. Era bom acompanhar tudo que estava impregnado descer pelo ralo.

Segui finalmente para as quatros válvulas cardíacas. Onde inicialmente pensei que nunca chegaria. Molhei toda área e achei melhor usar detergente líquido no chão. Deixei 20 minutos de molho e em seguida joguei um pouco de alfazema. Dizem que limpa e purifica energeticamente o lugar.

Só depois de tudo limpo visitei todos os cômodos, um a um. Respirei fundo e me lembrei de como precisava daquele espaço limpo, fluindo energia, arejado para me sentir verdadeiramente bem e feliz. Quando estava na porta, pronta para sair, voltei ao miocárdio e peguei o que sempre me pertenceu: o brilho dos meus olhos. Mal cheguei a rua e ele já havia se espalhado e se reinstalado em mim. Inteira.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Educação de casa a gente leva a praça



Precisando finalizar relatório de um espetáculo e iniciar a divulgação de um longa, o tópico mais debatido na minha última reunião não tinha nada haver com nossa pauta: a falta de educação, de gentileza de alguns seres humanos.

Não é a ausência do sorriso para um estranho, a saudação para o motorista de ônibus, o pedido de licença para entrar na sala do chefe, mas a falta de tato nas coisas mais simples e corriqueiras do dia a dia. Sejam elas esperadas ou não.

O fato é que as pessoas, além de mal educadas, estão agressivas. O pedido de licença geralmente vem acompanhado de um empurrão. Se você estiver no cinema tem aqueles que espertamente furam a fila. E se você, ousar, reclamar ganhará no mínimo um olhar raivoso. Se o assunto é estacionamento, nada de respeitar as regras de trânsito. Bom senso, exemplo, que nada! Isso está em extinção na sociedade atual. E olhe que nem mencionei o lixo jogado no chão.

A mãe joga lixo na esquina de casa, o pai pela janela do carro, a filha repete o gesto por achar lindo ver os papeizinhos coloridos soltos pelo ar. Poderia até soar poético se não fosse absurdo, irritante ver esses pequenos seres sendo espelho do mau costume dos pais.

Educação, gentileza, atenção, respeito não estão fora de moda. Apenas alguns preferem ficar fora da tendência de fazer do mundo um lugar melhor. Esquecendo que o problema aqui é de todos, embora a responsabilidade seja de cada um.

Fica aqui o incentivo: vamos saudar as pessoas na rua, cumprimentar o segurança da loja ao lado, agradecer pela informação recebida, olhar nos olhos, escutar o próximo, ensinar aos pequenos sobre cordialidade, sorrir quando for solicitar algo, agradecer quando for atendido, reconhecer quando estiver bem feito, e, lógico, se nesse meio tempo resolver atravessar uma praça num dia de sol e aproveitar para tomar um sorvete, não esqueça que o lugar do guardanapo é no lixeiro ao lado.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os primeiros laços de amizade




Outro dia uma amiga estava preocupada porque a filha não tem amigos. A criança com pouco mais de 8 anos ainda não estabeleceu laços de amizade com ninguém na turma do colégio. Estranho poderia afirmar, mas quando conheci a pequena enxerguei a criança linda que ela é.

Educada, inteligente, desenrolada. Entre uma conversa e outra ela confidência que sente frio de apreensão no estômago esperando o recreio. Então ela finge estar ocupada com alguma coisa que prefere fazer sozinha. Timidez, certamente!

O fato é que algumas crianças são maldosas. Pequenos monstros. O que pode causar insegurança em uma menina que recentemente estudava no interior. Mas não quero falar sobre violência física ou psicológica, intencionais e repetidas que diariamente várias crianças sofrem caladas por medo de serem cada vez mais perseguidas.

Quero falar da infância que deixa boas lembranças, das brincadeiras nos finais de tarde, das férias no litoral, das viagens, das descobertas, dos doces momentos que a gente vivia com certa irresponsabilidade. E no meu caso, tudo isso foi vivenciado ao lado dos meus primos.

Férias, carnaval, formatura do ABC, batizado, natal, final de ano, tudo, tudo, tudo com a família reunida. Com sete meninas e sete meninos, os anos 80 foi uma época divertida para gente compartilhar. Passamos pelo atari, a Barbie e o autorama. Brincamos de pega, sinuca e gato mia. Fizemos barracas usando lençóis. Conhecemos junto parte do litoral pernambucano e alagoano até meados dos anos 90. Não tenho lembrança que eles não estejam.

Brigas, desentendimentos, repreensões. Acordos de paz, desculpas, esquecimentos. Hoje, amizade e saudade. Alguns deles já casaram, outros tiveram filhos. Tem aquela que está esperando o primeiro rei, os que viraram empresários, a que trabalha nos três turnos e ainda é mãe e esposa, a que segura às pontas de casa, o que virou cantor, os que continuam juntos dia a dia em uma rotina deliciosa de se viver.

Não foi na escola que constitui os primeiros laços de amizade. Aos 8 anos eu já tinha os amigos de uma vida. E eles não estavam na sala de aula, no meu recreio. Eles tinham meu sangue. A procura fora era inútil. E ansiedade no estômago eu só sentia momentos antes de meus pais me levarem para casa das minhas tias. E tudo isso porque meus primos faziam da minha infância um lugar melhor.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Na reta final



Precisei assistir o último debate dos candidatos à presidência. E embora já tenha – quase - certo meu voto, vez por outra ainda fico em dúvida. Será a primeira vez que votarei por exclusão, e isso me aflige.

Desde 89, minha “primeira” eleição, eu tinha um candidato. Lula fez parte da minha infância. Lembro de ficar parada em frente à televisão e cantar junto com Gil, Chico e Djavan o jingle da campanha. Lembro de acompanhar meu pai nos comícios do PT e lembro a torcida contra de minha mãe. Isso porque lá em casa a disputa - mesmo com 22 candidatos - se restringia a Lula versus Brizola. 

No entanto, só em 98 pude, finalmente, dar meu primeiro voto a ele. E só em 2002 comemorei a vitória que demorou 13 anos para acontecer. Ele, agora presente em minha juventude, me dava à certeza que tudo daria certo.

Mas hoje, votar em sua candidata, que dúvida. E olhe que leio os jornais, pesquiso na internet, me informo, analiso propostas, vejo quem apóia, e mesmo assim, ainda assim, confesso que não sei.

Não é mistério para ninguém que o grande atributo de Dilma é ser a indicada de Lula. Com aprovação beirando os 80%, segundo última pesquisa CNI publicada, Lula funciona como um ótimo avalista. Entretanto, acho temeroso depender “apenas” de sua opinião.

Quero votar consciente de minha escolha como fiz nos últimos anos. E o receio que a criatura se volte contra o criador é enorme. Até lá fico entre duas candidatas. E, dentre as duas, só domingo decidirei. 

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sem distância geográfica




Odeio despedidas. Não sei dizer tchau. Em alguns casos chego a sentir dor física do lado esquerdo do peito. E isso não é dramatização, é saudade antecipada da convivência, das conversas, da rotina.

Por menor que seja a distância que irá nos separar geograficamente, levo tempo para digerir o encontro que precede a partida, o último abraço, o último beijo, a última visão, o último sorriso, o último acenar.

Quando criança tudo isso era explicado pelo medo inconsciente de não haver amanhã. Hoje também. Ainda assim tento não pensar nesta possibilidade. Afasto de mim qualquer pensamento de acidente. E sem potencializar as coisas finjo que o até logo não me incomoda.

Mas como é difícil lidar com a distância, com a ausência de pessoas queridas, com as lembranças, com os momentos que você daria todas as suas economias pela presença daqueles amigos que resolveram estudar no velho mundo. Parte da família e dos amigos que moram longe. Daqueles que não houve despedida. E, principalmente, daqueles que não regressaram.

Egoísmo, medo, saudade, seja lá o que for. Para mim, também é amor.